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Só adequar calendário à Europa não resolve

Só adequar calendário à Europa não resolve 

Parte da discussão sobre a necessidade de mudança do calendário Brasileiro tem sido pautada pela questão da adequação ao Calendário Europeu. Sinceramente, esse me parece um não-problema quase uma distração em meio à dimensão do desafio. Alterar o calendário do sistema atual (jan-dez) para o Europeu (jul-jun) não muda nada do ponto de vista da qualidade do produto futebol, que é o que precisamos elevar dramaticamente. Continuaremos a ser impactados por 2 janelas (meio e fim de ano) permanecendo vulneráveis à perda de jogadores no início e meio da temporada, simplesmente porque ainda somos parte do elo fraco da corrente econômica do futebol mundial. Podem haver ganhos para uma ou outra equipe na estratégia de montagem de elenco, mas a melhora no produto final (o futebol brasileiro) será pequena. 
Além disso, há dificuldades de ordem orçamentária e fiscal para clubes, patrocinadores, empresas de mídia, etc, o que exigiria um esforço de negociação muito grande para pouco resultado, então não parece fazer sentido colocar fichas nessa aposta. Há também outro risco nesse movimento, uma vez que o próprio Michel Platini (Presidente da UEFA) já declarou a possibilidade de, no futuro, adequar o calendário Europeu ao modelo de ano fiscal jan-dez (http://noticias.livrearbitrio.org/?p=5779). Já imaginou?
Portanto, não é produtivo gastar tempo e energia discutindo um ponto fora da curva do problema principal, que passa pela falta de datas. E quando falamos em falta de datas chegamos ao centro da questão: O que fazer com os Estaduais? Ou melhor, o que fazer com os clubes menores? 
 Os clubes de menor porte precisam ter sua situação contemplada neste processo por 3 motivos: 
1) Tirando os clubes das séries A, B e C (que possuem calendário garantido durante todo o ano), existem centenas de clubes pequenos que precisam de mais datas de jogos ao longo do ano, e que empregam dezenas de milhares de pessoas;
2) Estes clubes tem, somados, cerca de 6 milhões de torcedores em todo o País, que querem continuar a ter esperança de um futuro melhor para seus clubes de coração. Porque negar-lhes isso?;
3) Os clubes pequenos têm influência direta nas decisões das federações Estaduais e, por sua vez, na CBF. 

É nesse ponto que a situação complica, basicamente por questões políticas. O Presidente da CBF é escolhido a partir dos votos de cada uma das federações estaduais, independente de sua relevância no cenário do Futebol, o que significa que o voto da federação amapaense vale tanto quanto o da federação paulista. Sendo assim, é natural que haja grande influência dos estados menos representativos nas decisões da Confederação Brasileira de Futebol. 
Por sua vez, os presidentes das federações estaduais são eleitos pelos votos de seus clubes afiliados (ou parte deles), novamente não importando quem é quem no cenário. Em São Paulo, por exemplo, o voto de qualquer clube da 1ª, 2ª ou 3ª divisão tem peso igual, independente de seu tamanho. Deste jeito, também é de se esperar que as decisões das federações estaduais sejam fortemente guiadas pelos desejos e necessidades dos clubes menores.
Então temos um impasse aí, uma vez que CBF e Federações vão hesitar em se movimentar se isso for contra os interesses de seus eleitores, que em ultima instância são os clubes menores. É um modelo perverso para o desenvolvimento do futebol, mas não estamos diante de mocinhos e bandidos, e sim da tentativa de cada parte de defender os seus legítimos interesses. É hora de inteligência e negociação.
De um lado, os clubes menores não abrem mão de estaduais com a presença dos clubes maiores, temendo prejuízos acima do que já ocorre atualmente. Por outro lado, para termos um futebol de maior qualidade e mais rentável, é preciso que o calendário melhore substancialmente, o que significa ter datas para todos os jogos, um período para pré-temporada e excursões, e paradas nas datas FIFA. Mas isso só é possível se cortarmos o cordão umbilical que une os clubes pequenos aos de maior porte. Nessa hipótese os campeonatos estaduais continuariam ocorrendo (no primeiro semestre, sem a participação dos clubes maiores), permitindo o acesso das melhores equipes à Copa do Brasil e à Série D do Brasileirão, que poderia ter mais clubes e ser disputada no segundo semestre. Assim, teríamos calendário anual para os participantes das 4 divisões do Campeonato Brasileiro, restando gerar alternativas de calendário no segundo semestre para os demais clubes, aqueles que não conseguissem se classificar ao menos para a série D. 
Esse modelo precisa superar o desafio de viabilizar economicamente os campeonatos estaduais e as séries C e D, tornando-os, junto com a Copa do Brasil, ótimas alternativas para o calendário dos clubes menores. Há boas alternativas para se resolver esse problema, e uma das principais é a criação de um fundo que ajude a subsidiar os campeonatos por um período, com volumes de repasse decrescentes ao longo do tempo, até que estes campeonatos se tornem produtos rentáveis. Os recursos para um fundo desta natureza poderiam sair, por exemplo, de parte das receitas de transmissão do Brasileiro, o que geraria algum custo para os clubes maiores no curto prazo, mas certamente traria ganhos extraordinários a médio e longo prazo, decorrentes de um calendário que proporcione aumento do faturamento com bilheteria, possibilidade de excursões, patrocínios, etc. Algo parecido ao que se faz na Alemanha.
Depois de mais de um século de existência, está claro que os Campeonatos Estaduais estão muito próximos de seu ponto de ruptura, mas mudar uma instituição centenária como essa é uma tarefa complexa, com vários interesses envolvidos e delicados aspectos culturais. Porém, desafios como esses ocorrem de tempos em tempos com vários outros setores da economia, sempre que se deparam com a necessidade de reinvenção. O que chama a atenção no Futebol é a inércia, um conformismo preguiçoso que impede que se dê o primeiro passo, aquele a partir do qual podemos buscar a solução, ou parte dela. Esbravejar, apontar dedos e levantar problemas é prática comum há décadas e já cumpriu seu valioso papel, mas agora precisamos avançar uma casa. Setores da mídia começam a agir de forma construtiva, propondo caminhos, assim como ocorre com o movimento encabeçado pelo presidente do Santos (através de estudo do nosso colega Amir Somoggi). De nossa parte, vamos contribuir através de um grupo recentemente criado que inclui profissionais com background técnico para propor, de forma objetiva, alternativas viáveis para atacar este e outros problemas do futebol. 
Quem quiser contribuir, a porta está aberta. 

Um abraço a todos.

Fernando Ferreira
fernando@plurisports.com.br
twitter: @pluriconsult   
@fernandopluri

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