Recentemente, o lançamento de alguns produtos digitais por clubes brasileiros ganhou destaque nacional. Isto é ótimo, pois não só mostra o apetite destes clubes em investir em tecnologia, como pode inspirar outros a seguirem o mesmo caminho, o que beneficiaria o futebol do país como um todo. Porém, existe uma grande diferença entre lançar um produto inovador e ser uma entidade inovadora de fato. E é sobre isto que escreverei hoje.
Antes, duas considerações: primeiro, inovação não necessariamente tem a ver com tecnologia; é sim uma mudança para melhor — por meio de algo novo ou incremental — na forma de se fazer alguma coisa, que gere valor à organização que a promove e/ou aos fãs que a admiram. Pode ser simples, como o piquenique que o Willem II, da Holanda, promoveu no gramado de seu estádio (vídeo abaixo). Segundo, para ser considerado inovador não é preciso que nunca tenha sido feito antes. O Sócio Digital não é a primeira plataforma de streaming do futebol, mas é a primeira do E.C. Bahia e representa uma mudança na forma de consumir conteúdo em vídeo, gerando novas receitas ao clube. O Cine Vozão não é o primeiro drive-in da pandemia, mas o Ceará criou uma nova forma de reunir e entreter seus torcedores.
Pitchnick at WillemII from Felipe Ribbe on Vimeo.
Entretanto, para que um clube ou entidade sejam inovadores é preciso muito mais. A inovação não pode ser um evento esporádico; ela tem que ser contínua, estar alinhada aos objetivos estratégicos, ter processos claros e definidos, recursos financeiros e métricas para ser mensurada. Para isso, é necessário que haja uma cultura de inovação enraizada na organização, que estimule a apresentação de ideias, a experimentação, que haja tolerância ao risco e à falha, desde que ela gere aprendizado. Porém, não adianta estratégia, objetivos, processos, capital, métricas e ideias sem as pessoas. Tudo começa com elas.
O papel das pessoas na inovação
Implementar uma cultura de inovação é um trabalho de longo prazo, que inicia com o apoio total e irrestrito da alta diretoria. Sem isto, não vai funcionar. Para se criar um ambiente onde todos sintam-se confortáveis em contribuir com opiniões e, principalmente, testar hipóteses sem medo de falhar, é preciso que o(a) presidente/CEO faça por onde, se livre de vaidades e aceite que as melhores ideias, na maioria das vezes, não virá dele(a). É preciso também abraçar a agilidade, dar mais poder de decisão aos colaboradores, diminuir a quantidade de gente para aprovar um projeto. Claro, naqueles que custam caro e/ou podem ter grande impacto, o envolvimento da alta cúpula é fundamental. Mas a maior parte das decisões não é desse nível de importância e pode muito bem ser colocada em prática rapidamente, em pequena escala e com baixo custo. No mundo atual, as ideias mais brilhantes podem surgir de qualquer pessoa a qualquer momento. Quando há um ambiente propício para isto, é capaz de você se surpreender com quantas destas ideias que podem melhorar o negócio encontravam-se “escondidas” com seus colaboradores porque não havia a oportunidade de compartilhá-las.
Cabe à diretoria também dar a todos ferramentas para inovar. Primeiro, conhecimento de como fazer: treinamentos em metodologias como Customer Development, Lean Startup, Design Thinking e SCRUM; acesso a cursos, workshops e palestras; compartilhar artigos, livros e newsletters que deixem as pessoas antenadas às melhores práticas e tendências ao redor do mundo. Segundo, estímulo a sempre desafiar a forma como as coisas são feitas hoje por meio da curiosidade e do questionamento. Todos os dias os colaboradores devem chegar ao trabalho com dois focos: “Há algum jeito melhor de fazer as coisas por aqui?” e “Como podemos melhorar nossos produtos, processos e serviços?”. Afinal, toda inovação surge de um problema que a organização quer resolver ou uma necessidade que quer suprir. E isto não quer dizer que algo esteja dando errado; pode ser simplesmente que precise ou possa ser aprimorado. Tudo sempre pode melhorar. O professor e consultor Vicente Falconi costuma dizer que se você não tem nada para melhorar na empresa que trabalha deveria estar na praia e não no escritório.
Uma pausa para falar sobre questionamento. Muita gente associa esta palavra à insubordinação, tem medo de que desestabilize o ambiente. Mas pensamentos divergentes são fundamentais para evolução e formulação de novos conceitos e ideias. Aliás, para que todos sintam-se seguros de experimentar sem temer o erro, a liberdade de opinar de forma diferente e dar feedback negativo precisa estar sempre presente.
É fundamental que a alta diretoria também deixe claro que a busca por inovação é uma obrigação de todos constantemente. Isto se dá não só por uma comunicação interna bem feita, mas principalmente por atitudes. Nas avaliações periódicas, os colaboradores devem receber feedback sobre sua participação e contribuição nos programas internos; parte das bonificações deve ser atrelada a isto; as promoções de cargo devem levar em conta o comprometimento das pessoas com a inovação. No entanto, muitas vezes os colaboradores não têm tempo de praticar a inovação. Uma boa saída é permitir que parte do tempo das pessoas possa ser usado em outros projetos que não constem em suas atribuições do dia a dia. Exemplos bacanas são os 20% do Google e os 15% da 3M (quem trabalha no Google e na 3M pode dedicar 20% e 15% das suas horas de trabalho, respectivamente, para se dedicar a outras iniciativas). Há ainda o 70–20–10, do banco DBS (70% atividades do dia a dia, 20% melhorar as atividades do dia a dia e 10% pensar em novos projetos).
Por último — e tão importante quanto -, é preciso estruturar programas internos e externos para promover a inovação. Isto começa com uma pergunta básica: para que queremos inovar? Não saber aonde se quer chegar vai fazer com que surjam um bando de ideias sem nexo, que provavelmente se perderão ou não serão executadas corretamente, tirando o engajamento dos colaboradores. Alguns exemplos de iniciativas internas são o programa de ideias, hackathons e sprints; entre as externas, temos aceleração de startups, desafios pontuais e contínuos com startups, aproximação com universidades e centros de pesquisa, e canal de ideias (crowdsourcing) com a torcida. Todas estas iniciativas devem ter métricas bem definidas para que o sucesso possa ser avaliado (ex: tempo médio entre ideação e lançamento de protótipos; número de hipóteses testadas). Sejam quais forem as escolhas, o alinhamento com os objetivos estratégicos é fundamental porque as entidades esportivas costumam ter recursos humanos e financeiros escassos, então não dá para abraçar diferentes novos projetos ao mesmo tempo; provavelmente não haverá bom resultado na maioria ou em nenhum deles. É preciso focar naqueles que de fato vão resolver problemas, suprir necessidades e entregar resultados. Por isso o trabalho prévio é tão importante.
Não é fácil implementar uma cultura de inovação. Na verdade, grande parte das tentativas em empresas de todos os setores costuma falhar, pois as barreiras internas são diversas e muitas vezes não são reconhecidas pela alta cúpula. É normal haver uma distância entre o que a diretoria e os colaboradores pensam. Os executivos acham que a organização é inovadora, que estimula a experimentação e é tolerante às falhas; já os colaboradores têm uma visão bem diferente. Uma boa maneira de começar é contratando um profissional da área (Chief Innovation Officer) para liderar um projeto deste tamanho ou uma consultoria especializada que possa guiar todo o processo. O importante é saber que, seja um profissional ou uma consultoria, é preciso que haja autonomia total e espaço para que o trabalho seja desenvolvido em todas as áreas da organização, sem exceção.
Em um mundo em constante mudança, com evoluções tecnológicas mais e mais rápidas, e uma disputa cada vez mais acirrada pela atenção das pessoas, somente os clubes e entidades esportivas que estabelecerem que a inovação é pedra fundamental da estratégia de longo prazo conseguirão se manter relevantes.
Por Felipe Ribbe – Head de Novos Negócios da ENZIMA