O calendário e a morte dos clubes pequenos um verdadeiro massacre de clubes pequenos ocorre silenciosamente Brasil afora. De 2009 para cá, caiu de 734 para 654 o número de times que disputam alguma divisão dos campeonatos estaduais, uma redução de 80 clubes (-11%) em apenas três anos. Ao contrário do que se possa pensar, isso não é resultado de uma mudança estrutural, onde os clubes de menor expressão não conseguem se manter competitivos em função de seu porte, e por isso encerram suas atividades.
É um movimento muito particular ao Brasil, reflexo de uma estrutura onde os campeonatos estaduais mínguam à despeito da inércia das federações. A cada ano que passa mais clubes se licenciam (a maioria não volta), voltam às disputas amadoras e até mesmo fecham as portas definitivamente.
São Paulo encerrou sua 6ª Divisão em 2003 e a 5ª em 2004, permanecendo o único estado a ter a 4ª Divisão. A 3ª Divisão só existe em sete estados, sendo que em três está por um fio, e a 2ª já desapareceu em quatro estados, e em outros nove não deve sobreviver sequer dois anos.
No Amapá e em Roraima, a Primeira Divisão tem apenas seis participantes, no Piauí sobraram oito. São candidatos sérios a primeiros estados do Brasil sem campeonatos estaduais por falta de clubes.
E porque isso ocorre? Porque os campeonatos atuais não são atraentes para investidores, público e tv, fazendo com que se permaneça em uma espiral negativa no qual o último elo, o clube, é o maior prejudicado. E junto vão seus torcedores.
Neste momento, você pode estar se perguntar se esse ajuste não é natural, uma vez que a grande maioria destas equipes não são competitivas e naturalmente deveriam deixar de disputar competições profissionais. E que vários estados simplesmente deveriam fechar suas divisões de acesso por não serem viáveis.
O que digo é que sequer é dada a chance de os mais competitivos sobreviverem no atual cenário, no qual mais cedo, mais tarde, todos os clubes menores vão morrendo.
No mundo onde a organização e a estrutura do futebol funcionam, os clubes menores possuem papel importante na cadeia da indústria, coexistindo com os clubes grandes.
Não é um ambiente de perde-perde como no Brasil. E aqui entra a maior crítica às federações, que frequentemente usam um discurso que tenta traduzir vício em virtude, ao justificarem a não melhoria do calendário justamente por se alegarem defensoras dos interesses dos clubes menores.
Nada mais falso, pois se o calendário ruim machuca os clubes grandes, mata os pequenos, uma vez que os primeiros ainda tem a capacidade de suportar algum nível de prejuízo, luxo a que os menores não podem se dar.
Enquanto preparo este relatório, leio no jornal Gazeta do Povo uma matéria ilustrativa do atual momento. Nela, o presidente do Cianorte (Marco Franzato, dono de uma das maiores indústrias têxteis do país, a Morena Rosa) anuncia o possível encerramento das atividades do clube, após seguidos aportes financeiros para cobrir os prejuízos com as competições.
No mesmo texto, o empresário reclama da falta de atenção da Federação Paranaense de Futebol: “Já estou enjoado de ligar para lá e ninguém atender”, diz. Este anúncio vem menos de 10 dias após outro clube, o Arapongas, anunciar a saída do grupo de administradores. São dois investidores a menos para o futebol brasileiro.
O interesse dos torcedores em se manter cada vez mais longe dos estádios é o maior sintoma deste problema. Tivemos no último Brasileirão, um público médio de 12.971 torcedores por jogo. A última vez que a Primeira Divisão da Inglaterra teve um público tão baixo foi em 1904 (12.917). Sim, 1904, 109 anos atrás!
Quer mais? As segundas divisões da Inglaterra e da Alemanha apresentam público médio superior ao do Brasileirão Série A, e a 4ª divisão inglesa supera a Segundona do Brasil. Se no Nacional é assim, o que dizer dos estaduais, com média inferior a 2 mil pessoas.
E enquanto estamos brincando de futebol por quatro meses (1/3 do ano), os grandes clubes europeus disputam seus fortes campeonatos nacionais além de Europa League, Uefa Champions, etc.
Como podemos almejar ter clubes competitivos em escala internacional assim? Porque nos contentar com esta mediocridade?
É possível estancar e reverter o processo. Como em qualquer setor em crise, a melhor alternativa para se superar o problema é entendê-lo em profundidade (a partir de estudos e pesquisas), levantar possíveis alternativas, avaliar o impacto de cada uma delas e implantar com eficiência aquilo que melhor se apresentar.
O que espanta não é que o problema ainda não tenha sido resolvido, e sim o fato de que o debate está interditado, estamos simplesmente deixando a corda esticar, primeiro com a perda de público nos estádios, e agora com a perda de audiência da TV.
Mas, algum de vocês já ouviu falar de algum movimento das federações no sentido de se estudar tecnicamente o problema, de forma realmente séria?
A cada ano que passa pior ficam os campeonatos estaduais e não há sinais de melhora no horizonte. De nossa parte, estamos promovendo via BrSM (www.brasilsportmarket.com.br) um seminário sobre o calendário do futebol brasileiro dias 25 e 26 em São Paulo, onde propostas serão apresentadas e haverá a oportunidade de aprofundar o debate.
Os clubes sofrem com prejuízos seguidos, veem suas tradições e torcida minguarem, mas não se mobilizam por uma melhoria efetiva, portanto são coautores de sua própria tragédia.
E as federações ficam de braços cruzados sem perceber que, mais cedo do que imaginam, o próprio mercado vai impor o ajuste que se negam a fazer. Perdem a chance de salvar a própria pele e liderar um movimento no sentido de implantar um modelo mais atraente.